MULETADAS
Classificação destaque no X Concurso Nacional de Crônicas 1998 - Revista Brasília
Aragão
trabalha de motorista, numa empresa de transporte de documentos. O movimento da
empresa caiu muito, com os avanços tecnológicos de processamentos de
documentos. A demissão de Aragão já era um fato previsto. Com quarenta e cinco
anos de idade, Aragão sabe que dificilmente conseguirá outro emprego. A tempo
que Aragão já vinha sentindo umas dores fortes no pescoço, que o incomodava e
diminuía os seus reflexos, o que tornara-se um obstáculo ao desempenho de sua
profissão. Aragão estava tentando se encostar pelo INSS, mas a junta médica do
INSS, não o considerou como incapaz.
Aragão
andava muito nervoso por causa de seus problemas. Chegou na empresa, onde
trabalha, os companheiros de serviço, fizeram algumas brincadeiras, que o
deixou muito irritado. Saiu andando nervoso pela rua, para tentar mais uma vez,
resolver os seus problemas. Ao caminhar duas quadras, passou por um homem, este
estava andando apoiado em muletas, tinha as pernas todas engessadas. O homem
lhe chamou três vezes:
-
Por favor... por favor... por favor, eu só quero uma informação!
A
princípio, ele estava com muita pressa, não queria parar para dar informação,
mas quando aquele homem insistiu pela terceira vez, ele parou ainda mais
irritado ao que já estava, e tentou justificar sua ignorância:
-
Desculpa! Sei que o senhor está com problemas. Está precisando de ajuda. Mas eu
também estou com problemas! Acabei de sair da empresa, o pessoal já me encheram
o saco! Estou nervoso! Não estou com cabeça para ajudar ninguém!
O
homem continuou lhe pedindo:
-
Mas o senhor tem que me ajudar! Eu sofri um acidente, a poucos dias, estou todo
quebrado! Agora as pessoas ficam me jogando de um lado para outro. Me mandaram
ir ao Hospital São Lucas, eu cheguei lá, me mandaram ir ao Hospital Nossa
Senhora da Salete! Eu só quero que o senhor me explique onde fica o Hospital
Nossa Senhora da Salete?!
-
Aonde o senhor mora? (Perguntou Aragão).
-
Moro aqui na cidade, no bairro Floresta, faz uns dez anos.
Aragão
se irritou contra ele:
-
Mas se o senhor mora aqui na cidade, a dez anos, como que o senhor não sabe
aonde fica o Hospital Nossa Senhora da Salete?!
-
Não! O senhor não está entendendo! Eu sofri um acidente. Bati com a cabeça, não
consigo mais lembrar das coisas!
Aragão
saiu do sério, falando cada vez mais irritado:
-
Pois é! Se o senhor está com problemas de cabeça, não adianta eu explicar onde
fica o hospital. O senhor não vai entender! É complicado! O senhor tem que
seguir nessa rua, andar umas seis quadras mais ou menos. Tem uma bifurcação lá
na frente, complica tudo! É melhor o senhor seguir, e lá na frente, pedir
informação para outra pessoa.
-
Está certo. - disse o homem - Vai resolver o teu problema, e deixe que eu
resolvo o meu.
Aragão
já estava terminando de cruzar para o outro lado da rua, quando foi novamente
interrompido por aquele homem:
-
Oh!... - Aragão olhou novamente
para o homem. Ele estava com um dedo apontando para o céu, e continuou dizendo
- Vai com calma! Amanhã será outro dia. Tudo vai mudar! - E seguiu com duas
pernas-de-pau, arrastando duas de gesso.
Aragão
ficou confuso, sobre o que ele quis lhe dizer. E aquilo lhe impressionou tão
profundamente, que ele foi tomado por uma espécie de remorso. Pensou até em
acompanhar o homem, até a porta do hospital, mas desistiu quando pensou no
tempo que ele ia levar para chegar até o hospital, pois o homem estava todo
quebrado, tinha dificuldade para andar. Andava muito devagar.
Aragão
tinha um filho, que era funcionário de uma agência bancária ali perto. O filho
tinha carro. Aragão pensou: Vou até o banco onde meu filho trabalha, pegarei o
carro de meu filho emprestado, voltarei aqui, encontrarei novamente este homem
e o levarei até o hospital.
Mas quando Aragão entrou no banco,
seu filho estava atendendo no caixa. Havia uma fila grande. Percebeu que o
filho estava com problemas para resolver. Seria importuno interrompê-lo naquela
hora. Então Aragão pensou: - Cada um resolve seu problema que é melhor - e foi
para casa com mais um problema sem ter sido resolvido.
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